Quadratura do círculo

O problema da quadratura do círculo é um dos três problemas clássicos da Geometria grega; consiste em construir, usando apenas régua e compasso, um quadrado com a mesma área que a de um círculo dado.

Resolução do problema

Como aconteceu com os restantes dois problemas, demonstrou-se no século XIX que o problema da quadratura do círculo não tem solução. Essa demonstração foi obtida em várias fases. Em 1801, no seu livro Disquisitiones Arithmeticae, o matemático alemão Carl Friedrich Gauss afirmou que, dado um número natural ímpar n > 1, são condições equivalentes:

  1. é possível construir um polígono regular com n lados usando apenas régua e compasso;
  2. n pode ser escrito como produto de números primos distintos da forma 22k + 1 (os chamados «primos de Fermat», dos quais só se conhecem cinco: 3, 5, 17, 257 e 65537).

No entanto, Gauss apenas publicou a demonstração de que a segunda condição implica a primeira.

O primeiro matemático a publicar efectivamente uma demonstração da impossibilidade de se efectuarem determinadas construções geométricas apenas com régua e compasso foi o francês Pierre Laurent Wantzel, em 1837.

Como é que se pode demonstrar que é impossível efectuar uma determinada construção com régua e compasso? É claro que para mostrar que uma certa construção é possível basta levá-la efectivamente a cabo. O que Wantzel conseguiu provar, influenciado pelas ideias de Gauss, foi que se se conseguir, partindo de dois pontos A e B, construir um ponto C com régua e compasso, então o quociente q entre as distâncias de A a C e de A a B tem as seguintes propriedades:

Vejamos três exemplos:

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Mova o ponto A ou o ponto B. As distâncias do ponto A aos pontos C, D e E mudam, mas os quocientes destas três distâncias pela distância de A a B são constantes.

Nesta figura

Então os pontos C, D e E foram construídos a partir de A e de B com régua e compasso e:

Impossibilidade da quadratura do círculo

Não é difícil ver que se fosse possível resolver o problema da quadratura do círculo, então resultaria das observações de Gauss e de Wantzel que π seria um número algébrico. De facto, se fosse possível, partindo de dois pontos A e B, construir um ponto C tal que o círculo de centro A que passa por B e um quadrado em que um dos lados fosse o segmento que une A a C tivessem a mesma área, então o quociente entre os comprimentos dos segmentos AC e AB seria um número algébrico. Mas, por outro lado, se r fosse a distância de A a B, então a área do círculo seria igual a πr2, pelo que o comprimento do segmento AC seria necessariamente igual a πr e então o quociente entre os comprimentos dos segmentos AC e AB seria π.

Embora não seja óbvio, afirmar que π é algébrico equivale a afirmar que π é algébrico. Mas em 1882 o matemático alemão Ferdinand von Lindemann demonstrou que π é transcendente (ou seja, não é solução de nenhuma equação polinomial com coeficientes inteiros não todos nulos) pelo que é impossível efectuar a quadratura do círculo apenas com régua e compasso.

Será realmente impossível?

Foi dito acima que o problema da quadratura do círculo não tem solução, mas isto quer somente dizer que não é possivel construir, usando apenas régua e compasso, um quadrado com a mesma área que a de um círculo dado. Usando outras ferramentas, tal como a quadratriz de Hípias, é possível resolver o problema.

Considere-se agora a seguinte construção:

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Quadratura do círculo usando instrumentos euclidianos. Desloque o ponto A ou o ponto B e verá que as áreas do círculo e do quadrado são sempre idênticas.

O segmento situado a meia altura do lado esquerdo corresponde à unidade de comprimento e pode ser modificado.

A maneira de se obter o quadrado a partir da circunferência de centro O e diâmetro AB é a seguinte:

  1. Seja H o ponto médio de AO.
  2. Seja T o ponto do segmento OB tal que o comprimento de TB seja um terço do de OB.
  3. Seja Q um ponto da circunferência de modo que o segmento TQ seja perpendicular a AB.
  4. Seja S um ponto da circunferência tal que o comprimento do segmento BS seja igual ao do segmento TQ.
  5. Sejam M e N pontos do segmento AS tais que os segmentos OM e TN sejam paralelos ao segmento BS.
  6. Seja K um ponto da circunferência tal que A seja equidistante de K e de M.
  7. Seja L um ponto tal que o segmento AL seja tangente à circunferência e tenha comprimento igual ao de NM.
  8. Seja C um ponto do segmento BK tal que B seja equidistante de C e de H.
  9. Seja D o ponto do segmento BL tal que os segmentos CD e LK sejam paralelos.
  10. Sejam P e R tais que os pontos B, D, P e R formem os vértices de um quadrado dos quais um dos lados seja o segmento BD.

Como foi observado acima, não é possível fazer a quadratura do círculo apenas com régua e compasso. Sendo assim, relativamente à construção acima exibida há três possibilidades:

  1. algum dos passos da construção não pode de facto ser feito com régua e compasso;
  2. o autor desta página fez batota, ou seja, a construção está feita de modo que os números que surgem após «Área do círculo» e «Área do quadrado» sejam iguais, mesmo que as áreas sejam de facto diferentes;
  3. as áreas são apenas aproximadamente iguais; só não nos apercebemos disso por o valor das áreas ser dado com poucas casas decimais à direita da vírgula.

Destas três possibilidades, é a terceira que está correcta. O autor da construção foi o matemático indiano Srinivasa Ramanujan, que a publicou por duas vezes em dois artigos distintos:

  1. Squaring the circle, Journal of the Indian Mathematical Society V, 1913, p. 132.
  2. Modular equations and approximations to π, Quarterly Journal of Mathematics XLV, 1914, pp. 350–372.

A construção baseia-se no facto de 355113 ser uma excelente aproximação de π. De facto, 355113 ≈ 3,14159292… e π ≈ 3,14159263…

No segundo dos artigos acima mencionados, Ramanujan revela ter encontrado «por métodos empíricos» uma aproximação de π ainda melhor que 355113, nomeadamente a raiz quarta de 92 + 19222; este número é aproximadamente 3,1415926527…, enquanto que π ≈ 3,1415926536… Ramanujan também fez uma quadratura aproximada do círculo usando este facto:

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Outra quadratura aproximada do círculo usando instrumentos euclidianos. Desloque o ponto A ou o ponto B e verá que as áreas do círculo e do quadrado são sempre idênticas.

O segmento situado a meia altura do lado esquerdo corresponde à unidade de comprimento e pode ser modificado.

A maneira de se obter o quadrado a partir da circunferência de centro O e diâmetro AB é a seguinte:

  1. Seja C um ponto da circunferência que seja equidistante de A e de B.
  2. Seja T um ponto do segmento AO tal que a distância de A a T seja um terço da de A a O.
  3. Sejam M e N pontos do segmento que une B a C de modo que as distâncias C a M e de M a N sejam ambas iguais à distância de A a T.
  4. Desenha-se o segmento de recta que une A a M bem como o que une A a N e considera-se neste último o ponto P tal que a distância de A a P seja igual à distância de A a M.
  5. Seja Q o ponto do segmento AM que faz com que os segmentos PQ e NM sejam paralelos.
  6. Desenha-se o segmento de recta que une O a Q o considera-se no segmento AM o ponto R que faz com que os segmentos OQ e TR sejam paralelos.
  7. Desenha-se o segmento de recta AS que é perpendicular a AB e tal que A seja equidistante de R e de S.
  8. Considera-se um ponto U tal que a distância de O a U seja meio proporcional das distâncias de O a B e a S.

Então, como explica Ramanujan, a distância de O a U é uma excelente aproximação da sexta parte do comprimento da circunferência, ou seja, do comprimento do segmento OA multiplicado por π3. Logo, o meio proporcional dos comprimentos dos segmentos OA e OU, multiplicado por 3, é uma excelente aproximação do comprimento de OA multiplicado por π. O ponto V é precisamente obtido de modo que o comprimento do segmento OV seja igual ao meio proporcional dos comprimentos dos segmentos OA e OU, multiplicado por 3.

Um outro tipo de quadratura

Em 1925, o matemático polaco Alfred Tarski propôs o seguinte problema: É ou não possível dividir um círculo num número finito de partes que possam ser reordenadas de modo a formarem um quadrado? Este problema é totalmente distinto do problema clássico da quadratura do círculo ou de outros problemas clássicos, por dois motivos:

O problema de Tarski revelou-se bastante difícil de resolver. A resposta (afirmativa) à questão só foi dada 65 anos mais tarde, pelo matemático húngaro Miklós Laczkovich.


Data da última actualização deste documento: 2012–05–06

Autor: José Carlos Santos

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