Entrevista pelo Martim Carvalho, pela Catarina Lemos e pelo Luís Afonseca à Professora Carla Rosa
Martim Carvalho (MC): Antes de mais, queremos agradecer o facto de a professora ter aceite esta proposta, disponibilizado este bocadinho de tempo para estar connosco. Comecemos então por falar um pouco de si e do seu percurso académico, se puder ser.
Carla Carmelo Rosa (CCR): Por onde querem que comece, mesmo de pequenina? Digo isto porque… Como é que alguém se vê de repente num curso de Física, não é?
Penso que temos competências específicas que vamos desenvolvendo enquanto crianças e adolescentes, sendo que quando cheguei ao 12º ano era claro que queria fazer um curso que tivesse algo de aplicado.
Provavelmente num percurso muito semelhante ao vosso, tive uma adolescência onde li livros de divulgação científica, como os de Carl Sagan e Hubert Reeves, da Coleção Ciência Aberta da Editora Gradiva, que foram muito importantes na divulgação de ciência nos anos 80. Depois há todo um contexto que nos leva a procurar um curso destes. Por um lado, a ficção científica com inspiração em séries televisivas, como a Espaço: 1999 – que se calhar não vos diz muito -, ou a Battlestar Galactica, fantástica na sua série inaugural. Por outro, a curiosidade intrínseca com a natureza das coisas ou dos processos, nas experiências e brincadeiras de criança. Como escuteira fui desafiada em termos de atividades muito variadas de construção, de resolução de problemas e de jogos. Parecendo que não, isso faz querer assim algo mais aplicado.
Na escolha de um percurso universitário tive um pequeno dilema entre a Matemática e a Física. Não tive um ensino de Química muito forte, pelo que sempre estive muito polarizada para a Física. Fiz Engenharia Física Tecnológica em Lisboa, no curso do IST. À data, o curso de Engenharia Física era relativamente novo. Tinha uns quatro ou cinco anos, mas não era um curso muito falado. E se os vossos pais agora estranham, na altura ainda era pior. Eu tive sorte: os meus pais respeitaram as minhas escolhas, nunca me fizeram muita pressão para ir para um curso A ou B. Quando me chegaram à mão uns panfletos com as especificações do curso de Engenharia Física percebi que contrastava muito com a formação dos cursos de Matemática, em particular na perspetiva de trabalho futuro. Este aspeto, tal como hoje, era uma preocupação intrínseca no processo de escolha, e as perspetivas do mundo laboral nos cursos de Matemática eram dirigidas para a banca, o que não tinha muito que ver com as coisas de que eu gostava – um exemplo importante: o meu pai foi relojoeiro durante algum tempo e eu aprendi com ele a montar e a desmontar relógios e a fazer pequenas reparações; eu gosto de atividades em que é preciso “meter as mãos na massa”.
Quando vi o curso de Engenharia Física pensei: “…. É interessante porque tem um pouco de ciências, da Física, da Matemática e tem uma perspetiva mais aplicada…”.
Um curso universitário nunca é bem aquilo de que a gente está à espera, mas é claro que nos coloca muitos desafios e abre portas. Apesar do curso estar numa escola de engenharia, os três primeiros anos (de cinco) eram cientificamente bastante puxados, e, como agora, confundiam-se com a formação de um curso universitário de Física, mas com alguns toques de engenharia… No entanto, reconheço que essa estrutura de formação foi essencial. Continuo a acreditar na importância de uma abordagem científica muito bem fundamentada. É importante conseguir fazer coisas, é importante ter uma formação mais aplicada quando há a ambição em trabalhar em projetos mais ligados a aplicações, mas de facto reconheço que foi muito importante essa formação científica sólida.
O quarto e quinto anos tinham uma flexibilidade incrível, um pouco à semelhança do que acontece agora com os perfis transversais do modelo de Bolonha. Nós só tínhamos essa flexibilidade nos quarto e quinto anos, incluindo formação noutros departamentos. Aí tentei alargar a minha aprendizagem a áreas da engenharia eletrotécnica e de computadores. Liguei-me ao grupo de investigação de Lasers e Plasmas do IST a partir do terceiro ano do curso, onde também desenvolvi o meu projeto final.
Fiz trabalhos de simulação numérica e ótica aplicada, com direito a formação paralela importante na construção e escrita de projetos científicos, concursos a financiamentos e a bolsas, em simultâneo com o trabalho em equipa com investigadores jovens e em início de carreira, numa equipa muito dinâmica. Permitiu-me a formação sobre o dia-a-dia da investigação. Todas estas vertentes burocráticas são também fundamentais, pois sem financiamento não há investigação.
Trabalhei no desenvolvimento de um sistema LIDAR, tanto na simulação do sistema ótico, como na integração e automatização da instrumentação, num projeto que na altura corria com a EDP para instalação de um sistema para a deteção de poluentes atmosféricos na Central Termoelétrica de Setúbal (que foi – ou está em fase de ser – desativada recentemente). Este foi o primeiro desafio aplicado.
No meu projeto final de mestrado trabalhei no desenvolvimento de um sistema de interface para a geração de raios X pulsados, a partir do laser TW em instalação no Grupo de Lasers e Plasmas. O projeto era conceptualmente simples: impulsos laser muito curtos de um laser super intenso eram disparados como balas de luz para um material, arrancando-lhe eletrões. Nesse processo há emissão de raios X num intervalo de tempo muito, muito curto, abrindo a perspetiva de resoluções temporais em processos de caracterização por raios X.
No quarto ano da licenciatura fiz formação em aplicações biomédicas, disciplina transversal oferecida pela Engª Eletrotécnica do IST. Mais tarde optei por fazer mestrado em Engenharia Eletrotécnica procurando solidificar alguns conhecimentos mais ligados à Engenharia que podiam ser úteis numa carreira mais aplicada e experimental. Procurei fazer formação em disciplinas que não tinha tido oportunidade de fazer no curso, como redes neuronais e sistemas digitais – esta última oferecida com uma abordagem assustadoramente teórica. Depois troquei essa disciplina: era dada por uma engenheira, mas de uma forma tão encapsulada que eu não estava a ter aquilo que queria – a parte prática – por isso troquei por redes neuronais, que foi muito interessante. Durante essa formação de mestrado, acabei também por fazer cadeiras como Sensores e Análise e Processamento de Sinal.
Nós estamos sempre muito preocupados com o fim de curso, e em particular com as oportunidades de emprego, mas estas são coisas que nós não controlamos. Dependem muito do mercado, das oportunidades e dos contactos que vamos construindo. Parece-me que um fator muito importante é fazermos algo de que gostamos, e escolher um percurso que seja minimamente coerente e que responda às nossas aptidões. Quando escolhemos um percurso em coisas que nos despertam curiosidade, que não dominamos, queremos aprender mais, dedicamo-nos mais, e dessa forma maximizamos as nossas probabilidades de sucesso. Tal pode implicar enfrentar temas que nos assustam. […]
As médias de curso são importantes para concorrer a bolsas de investigação e de doutoramento porque vos abrem portas, como para às bolsas da FCT, em que os recrutadores não têm contacto com os candidatos, onde não há uma entrevista, e a avaliação é feita numa pool de candidatos muito grande.
Quando embarcamos em projetos de mestrado e doutoramento colocamo-nos potencialmente em situações de tensão. O entusiasmo inicial pode alternar com outros momentos complicados, em que o cientista é verdadeiramente testado na sua perseverança, na qualidade de trabalho e na robustez física e mental. E como em todos os projetos, há fases que não correm como gostaríamos. No caso da minha tese de mestrado, eu estava dependente de algum trabalho de terceiros, ou seja, o meu trabalho de tese só podia ser aplicado sobre resultados de trabalho colaborativo, mas essa era uma variável que eu não controlava, um risco.
Na altura, estive a ponderar se acabado o mestrado ia trabalhar ou ia procurar outras oportunidades. De facto, surgiu-me a oportunidade muito interessante de trabalhar em biossensores em Oeiras, no Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB). Aqui há também o iBET, um instituto de interface mais virado para as empresas, com uma parte de investigação e de trabalho mais para aplicações que vêm do lado das mesmas. Ali o desafio era muito interessante. Eu sempre tive essa ambição de fazer coisas que pudessem ser aplicadas, aquela ideia de fazer qualquer coisa que seja útil para a sociedade. Dá um gozo diferente saber que há qualquer coisa que possa estar a ser utilizada. Também daí o interesse e motivação pela Física Médica e as aplicações médicas.
O trabalho no ITQB foi muito interessante. No laboratório de biossensores havia um ambiente completamente multidisciplinar. A equipa tinha quatro ou cinco pessoas: o líder da equipa, engenheiro químico, mais uma química no laboratório, dois engenheiros químicos e o físico ou a física, que neste caso era eu. Chegou a haver gente de eletrónica e, entretanto, fizemos alguns projetos com alunos do IST. Eu não conhecia a área de biossensores. Vi o anúncio no jornal – há aquelas oportunidades que surgem sem a gente estar à espera – e comecei a ler um bocadinho sobre a área. Fui à entrevista de forma muito relaxada, porque estava ainda vinculada ao trabalho da tese de mestrado e andava a explorar as oportunidades. Tinha achado a área muito interessante, mas, como não sabia muito sobre o assunto, a dada altura era eu a entrevistar o líder do grupo, o professor Abel Oliva, do que propriamente ele a entrevistar a candidata. Ele terá aproveitado a entrevista à sua maneira. Sei que vim de lá com livros. A sessão acabou com “ah leve estes livros e veja, estes são muito interessantes, tem aqui umas reviews”.
Não sei se sabem o que são biossensores? Pelo nome dá para ter uma ideia. Obviamente que o sensor tem de ter uma parte de instrumentação, de análise de sinal e tudo isso, mas a parte ativa do sensor é uma parte que depende fortemente de fatores biológicos, havendo uma miríade de possibilidades. Podemos usar moléculas, daqui o papel dos químicos, biólogos e bioquímicos (estava-me a esquecer deles). O ambiente era completamente novo para mim, assim como a linguagem, completamente nova, de uma área científica muito diferente da minha formação, e era engraçado por isso mesmo.
No Técnico fazíamos um laboratório de química no primeiro ano, que era importante, mas passava depressa. Coisas tão simples como estar a trabalhar com nitritos, que é uma substância super perigosa em concentrações elevadas, e ver uma mancha de líquido na banca que parece água… Exige que uma pessoa ponha na cabeça “não, isto aqui tem substâncias perigosas, logo: luvas, bata…” e por isso há todo um reaprender de como estar no laboratório, de como falar das coisas e de como questionar . Por exemplo, nem toda a gente tem facilidade em questionar e eu também tinha alguma dificuldade, mas rapidamente perdi o pudor e fazia aquelas perguntas simples como: “o que é um catalisador…?”. Havia conhecimentos ou procedimentos correntes do dia-a-dia de um químico ou biólogo de que eles falavam e eu pensava, perdida, “eles estão a falar de quê?”. Quebrar essa barreira, pedir uma explicação a um colaborador de outras áreas científicas às vezes implica problemas de comunicação, mas também cria situações engraçadas e de grande partilha. O ambiente de trabalho, apesar de ser um grupo pequenino, era espetacular. Tínhamos os químicos que trabalhavam a parte de marcadores químicos, caracterização fotoquímica de agentes; os bioquímicos trabalhavam a parte bioquímica de imuno-sensores a partir de anticorpos e antigénios manipulados, e fixados em suportes físicos adequados ao método de medida.
Eu comecei por utilizar partículas de vidro poroso porque esse material dava para aprisionar essas moléculas, mas deixava passar os fluídos de análise. Fazia pequenos protótipos com câmaras de fluído em acrílico para a passagem controlada desses fluídos na zona de medida ótica. Continuava a trabalhar com lasers e em ótica aplicada.
Voltando à pergunta inicial de como foi o meu percurso académico: fiz o percurso com formação numa área mais aplicada, mas sem perder ligação às ciências mais fundamentais. Abracei sequencialmente projetos direcionados para aplicações da luz, sempre utilizando muita parte de implementação de experiências, de lidar com a parte de eletrónica, com aquisição e controlo automáticos. Aliás, nesse sistema LIDAR de que vos falei tive de fazer simulação da parte ótica, em C, por isso na altura não estávamos a usar software, estávamos mesmo a fazer toda a cadeia de sinal ótico e a simular essa parte em função de parâmetros do sistema. Como depois estive envolvida na primeira versão do protótipo, praticamente fui eu que estive a trabalhar nessa parte de controlo automático. Agora usamos LabVIEW, mas na altura usávamos uma plataforma que ainda deve existir, o TestPoint, que era muito parecido. Estive sempre a trabalhar um bocadinho nestas áreas em que utilizamos luz para fazer aplicações que são desde detetar poluentes, a medir concentrações de nitrito, a detetar produção de raios X.
Depois, acho que há uma coisa que é interessante dizer-vos: quando optei por fazer o mestrado, as licenciaturas eram de cinco anos na altura, pelo que nós saíamos licenciados como agora vocês saem mestres. Acabávamos já com uma boa bagagem e alguma experiência porque naqueles dois anos extra do curso tínhamos algumas disciplinas e fazíamos um trabalho final, que acabava por ser um trabalho bastante dedicado e já também em ambiente de grupo de investigação. E como é normal havia muita gente, ainda por cima em Física/Engenharia Física, que era muito próximo da Física, com o grande dilema: vou trabalhar ou fazer doutoramento quando acabar o curso? Agora se calhar esse dilema já não se coloca tanto, espero que não. Na altura as oportunidades de emprego eram difíceis de encontrar. Elas existiam porque, de facto, não tenho conhecimento de colegas sem trabalho após a licenciatura. Na altura, uma boa parte continuava a trabalhar em projetos de investigação (com bolsas) e acabou por ser o que me aconteceu também, mas a maior parte dos meus colegas continuava diretamente para doutoramento. O percurso normal de quem fazia Engenharia Física em boa parte passava por um doutoramento ou ir para fora; uma carreira académica. As empresas não contratavam muitos engenheiros físicos – hoje já vão conhecendo o perfil. Então decidi “não vou fazer doutoramento já, não sei se quero seguir essa via… Vou fortalecer as competências técnicas”. Depois do trabalho que fiz com os biossensores durante quase dois anos no ITQB comecei a ponderar.
O ITQB já tinha contactos aqui com o Porto e pôs-se a hipótese de fazer um doutoramento numa área ligada aos biossensores. Eu tinha dificuldade em fazê-lo em Lisboa porque estava a trabalhar num grupo de químicos, bioquímicos, engenheiros químicos e eu continuava a dizer “não, eu se fizer doutoramento faço em Física”.
MC: Diria que o projeto em que esteve ligada aos biossensores foi o projeto mais desafiante da sua carreira? Ou há outro que achou mais marcante?
CCR: Acho que teve outro papel. Foi mais importante para me ligar mais a essa área e perceber o seu impacto e olhar para os sensores de uma forma diferente. […] Se quisermos analisar o sangue de pacientes temos de ter sensores capazes de detetar um parâmetro ou molécula específicos, sendo cegos a todas os outros – o grande problema e desafio no desenvolvimento de novos biossensores. […]
No âmbito do trabalho no INESC TEC surgiu-me um projeto que provavelmente nunca me surgiria de forma natural, mas que surgiu da missão deste instituto na procura de respostas a desafios que vinham de fora, sociedade e/ou indústria. O instituto foi contactado para arranjar uma plataforma que, a partir de sinais óticos […] determinasse a qualidade de óleos alimentares de fritura. Se me perguntassem: era a minha motivação principal de investigação? Não era, mas foi um desafio importante onde utilizámos ferramentas adquiridas no percurso de investigação e formação. Esse projeto acabou por ser dos mais desafiantes. Conseguimos alguns resultados interessantes, mas ainda não suficientes para um verdadeiro protótipo final e comercial. […] Portanto, esse foi um projeto marcante, não porque conseguimos chegar ao fim com o resultado que todos queríamos, mas porque foi um projeto onde eu pus dois anos e meio de trabalho, em paralelo com tudo o resto. Arriscaria dizer que em todas as carreiras científicas são poucos os momentos de beber o copo de champanhe. Foi um desafio marcante, mas não por aquilo que estão a imaginar. A motivação foi muito diferente de: “ah, este trabalho vai-me dar um Nobel!”.
MC: Como foi chegar ao cargo de diretora de curso de mestrado em Física Médica e ter acesso a este cargo com importância no percurso académico dos alunos e da faculdade?
O curso de Física Médica nasceu na Faculdade de Ciências há cerca de catorze anos. Nasceu como uma pós-graduação e funcionou como tal durante dois anos. Foi proposto pelos professores Joaquim Agostinho Moreira e António Pereira Leite. Colaborei muito com eles no início (mas dou-lhes o crédito a eles, foram os grandes motores do curso).
Entrei na FCUP como Assistente, ainda aluna de doutoramento. […] A partir do momento que uma pessoa entra na carreira académica, acaba por ser intrínseco o assumir destas responsabilidades e, de facto, são coisas que nos tiram algum tempo, mas são atividades muito importantes. A parte da coordenação, no caso da Física Médica, é um pouco específica, porque o curso existe protocolado com o Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, do Porto (IPO), que tem uma participação muito importante. Há também protocolo com o ICBAS, onde também vamos buscar alguma formação. Porém, mesmo a nível de teses, todos os trabalhos que têm sido realizados são maioritariamente trabalhos da Faculdade de Ciências com o IPO, havendo, contudo, alguns realizados com outros institutos. É necessário trabalho de coordenação e de pesquisa, acrescido pelo facto de ser um curso muito grande. […]
Catarina Lemos (CL): Investigação é difícil, não é?
CCR: Difícil não será a palavra… Acho que a questão é mais a gestão de tempo. Um académico concilia investigação com docência, gestão… Todos são importantes, mas de facto esta multiplicidade de tarefas distribuídas ao longo do dia muitas vezes torna-se complicada. Talvez mais desgastante e o que nos limita é o facto de estarmos a pular de umas coisas para as outras: “hoje tenho que pensar no curso de Física Médica, amanhã tenho que pensar no projeto, depois no outro dia tenho de pensar nas aulas, depois volta a física médica, e depois… onde é que eu fiquei?” E depois a investigação. Isto é algo que exige uma boa capacidade de gestão de tempo, que uns farão melhor que outros, mas que desgasta um bocadinho… Se eu sou investigadora e tenho ali “aquelas coisas para fazer”, nesse aspeto é mais fácil. […]
Por exemplo, a respeito disso, eu fiz uma boa parte do meu trabalho no estrangeiro. O meu doutoramento foi na Universidade do Porto, mas estive 1 ano e 3 meses fora; e aquele ano que estive em Inglaterra foi…muito bom! Eu já era assistente cá, estava a dar aulas e a fazer tese… Aquele ano em que eu lá estive para mim foi, de facto, uma lufada de ar fresco porque… para já, o ambiente de trabalho lá é espetacular: há uma relação muito horizontal: os professores discutem ciência com os seus orientandos ao mesmo nível… O momento do chá para discutir futebol ou ciência era muito importante, o próprio intercâmbio que têm entre os investigadores que estão no laboratório é diferente e algo que eu não vejo tanto cá. Por exemplo, se tiveres um problema, vais falar com colega do lado e há uma discussão talvez menos preocupada ou mais aberta. Porque é que nós não o fazemos? Não sei, pode ser uma coisa cultural, mas lá era uma coisa espetacular; alguém precisava de resolver um problema e levávamo-lo para a hora do chá, não era preciso convocar uma reunião: um dizia para fazer assim, o outro dizia para experimentar desta maneira, etc… e isso era muito bom.
Outro aspeto importante é a autoconfiança que isso nos dá… eu não sei se vocês costumam trabalhar em grupo uns com os outros, mas essa partilha também nos dá confiança, sentimo-nos apoiados e ao mesmo tempo participativos, isso é muito importante. E na altura, quando lá estava, e é muito comum lá em Inglaterra fazerem isso com os alunos de doutoramento, se quisesse ajudar nas tarefas de laboratório, aulas, correção de provas… perguntavam coisas do género: “não queres ganhar uns trocos aqui a corrigir uns testes?”. E eu respondia: “não, isso é uma coisa que eu faço lá (Portugal), aqui (Inglaterra) tenho que aproveitar ao máximo”. Tinha o tempo todo para mim e essa era a grande diferença. Efetivamente isso é uma coisa que se perde quando se assumem responsabilidades. Pronto, eu acho que umas componentes são mais importantes que outras, e tento ir apagando os fogos com as coisas que eu considero mais importantes, mas há, de facto, aspetos na vida académica que condicionam também a vida de outros, e tento, portanto, priorizar aspetos que são mais importantes, correndo sempre o risco desse desgaste de acumulação. Além disso, a investigação neste momento torna-se um bocadinho complicada mas tem que andar para a frente…
Luís Afonseca (LA): Tem algum conselho que gostaria de dar aos seus alunos, em particular para aqueles que pretendem seguir a vertente de investigação?
CCR: O mais importante é fazerem opções que façam sentido e escolherem um caminho que gostam. O caminho não vai ser sempre “cor de rosa”. Vai ser um caminho com altos e baixos, com muita satisfação quando se chega aos altos, mas vai exigir muita energia quando é preciso “subir o monte”. O fazer algo que se gosta é mesmo muito importante… […]
MC: Pondo de outra maneira: o que é que quer transmitir às pessoas quando olham para os seus olhos?
CCR: Bem, eu gostava que os meus olhos transmitissem algum entusiasmo, acho que isso é importante também para transmitir que estou a fazer aquilo de que gosto e que isso possa, de alguma forma, também ser inspiração para alguém… Mas não sei. “O que é que os meus olhos podem dizer?”… É que eu posso ver essa pergunta de tantas formas diferentes… Eu gostava que os meus olhos dissessem que veem uma geração à sua frente; lidamos todos os dias com pessoas que gostamos de pensar que são da nossa idade, mas que são mais novos… Acho que gostava que os meus olhos dissessem que estão a ver uma geração empenhada, de espírito crítico, que questiona e que se preocupa com valores importantes. […] Há muitas coisas que os nossos olhos veem que afetam o entusiasmo por eles transmitido. Portanto, gostava que os meus olhos transmitissem, de facto, algum entusiasmo e essa necessidade de questionar as coisas, sem teorias da conspiração, com razoabilidade… Para que o espírito crítico possa lidar com a informação, com os outros, e agirmos em conjunto.