Para cada α ∈ ]0,1], defino o conjunto Cα do seguinte modo:
Cα = | ∩ | In. |
n ∈ Z+ |
Há uma passagem nesta definição cuja legitimidade exige uma demonstração. Para que o quarto ponto faça sentido é necessário demonstrar que o comprimento de cada um dos 2n intervalos fechados cuja reunião disjunta forma In é maior de que α⁄3n + 1; caso contrário, não faz sentido falar no «intervalo aberto central de comprimento α⁄3n + 1». Para justificar a passagem, repare-se que o conjunto I1 é obtido retirando-se de [0,1] um segmento de comprimento α⁄3; logo, l (I1) = 1 − α⁄3. Em seguida, obtém-se I2 retirando de I1 dois segmentos de comprimento α⁄9, pelo que l (I2) = 1 − α⁄3 − 2α⁄9. Vê-se então que se tem:
n | ||
(∀n ∈ Z+) : l (In) = 1 − | ∑ | 2k − 1α⁄3k = 1 − α(1 − 2n⁄3n) |
k = 1 |
e então o que se quer mostrar é que:
Verifica-se facilmente que esta expressão equivale a:
e esta última proposição é obviamente verdadeira.1
Usualmente, a expressão «conjunto de Cantor» refere-se ao conjunto C1. Por isso, para designar este conjunto em particular vai ser usada a letra C, sem qualquer índice.
Teorema: Para cada α ∈ ]0,1] tem-se:
Além disso, o conjunto C é formado pelos números de [0,1] que podem ser escritos na base 3 usando unicamente os algarismos 0 e 2.
Demonstração: Cada In
é reunião disjunta de 2n
intervalos fechados; sejam I (n,0), I (n,1),…,
I (n,2n − 1)
esses conjuntos, numerados de modo que se
k < l, então
qualquer elemento de
I (n,k) seja menor do
que qualquer elemento de
I (n,l ). Vê-se então que:
Visto que os intervalos I (n,0), I (n,1),…, I (n,2n − 1) são dois a dois disjuntos, o comprimento de cada um deles não excede 2−n. Além disso, os extremos de cada I (n,k) são elementos de Cα, pois I (n,k)\Cα é um aberto e como tal está contido no interior de I (n,k), enquanto que os extremos de I (n,k) estão na fronteira. Repare-se que se x ∈ Cα, então x ∈ ∩n ∈ N I (n,k (n)), sendo os k (n) tais que I (n,k (n)) ⊃ I (n + 1,k (n + 1)). De facto {x} = ∩n ∈ N I (n,k (n)), visto que o comprimento dos intervalos converge para zero.
Seja 2N o conjunto das funções de N em {0,1}. Vou construir uma bijecção B entre 2N e Cα. Seja (an)n ∈ 2N. Defino então B ((an)n) como sendo o único elemento do conjunto:
n | |||
∩ | I (n, | ∑ | ak 2n − k) |
n ∈ N | k = 1 |
Para justificar que esta definição faz sentido, veja-se que
(1) implica que a família de intervalos
de que estamos a calcular a intersecção é decrescente. Como todos
estes intervalos são fechados, o princípio do encaixe dos intervalos
diz que a intersecção não é vazia. Finalmente, como o comprimento
dos intervalos tende para 0, a intersecção reduz-se a um ponto. Vê-se
pela definição de Cα
que esse ponto está necessariamente em
Cα.
Para ver que a função B é injectiva, tomo dois elementos distintos (an)n e (bn)n de 2N. Seja N o menor número natural tal que aN ≠ bN. Então B ((an)n) ∈ I (N,∑1 ≤ k ≤ N ak2N − k) e B ((bn)n) ∈ I (N,∑1 ≤ k ≤ N bk2N − k). Estes dois conjuntos são disjuntos, de onde se tira que B ((an)n) ≠ B ((bn)n). Quanto à sobrejectividade, se x ∈ Cα então {x} = ∩n ∈ N I (n,k (n)). Visto que cada I (n,k (n)) contém I (n + 1,k (n + 1)), k (n + 1) = 2k (n) ou k (n + 1) = 2k (n) + 1. Vê-se então que x = B ((an)n), sendo an tal que k (n) = 2k (n − 1) + an.2 Visto que o cardinal de R é igual ao cardinal de 2N, deduz-se que também é igual ao cardinal de Cα.
O conjunto Cα está contido em [0,1] e [0,1] \ Cα é a reunião disjunta de um intervalo de comprimento α⁄3 com dois intervalos de comprimento α⁄9 com quatro intervalos de comprimento α⁄27, etc. Logo, tem-se:
∞ | ||
I ([0,1])\Cα = | ∑ | 2k − 1α⁄3k |
k = 1 |
pelo que
l (Cα) = 1 − α.
O conjunto Cα foi definido como sendo a intersecção de uma família de compactos. Logo, Cα é compacto.
Afirmar que Cα é totalmente desconexo é o
mesmo que afirmar que não contém nenhum intervalo
]a,b[. Para justificar isso,
tomo um n ∈ N. Então tem-se:
2n − 1 | ||
Cα ⊂ | ∪ | I (n,j). |
j = 0 |
Esta reunião é disjunta. Se escolher n tal que 2−n < b − a,
então cada I (n,j) tem comprimento
inferior a b − a; logo:
2n − 1 | ||
]a,b[ ⊄ | ∪ | I (n,j). |
j = 0 |
Seja x ∈ Cα. Vou mostrar que x não é um ponto isolado. Sei que:
{x} = | ∩ | I (n,k (n)). |
n ∈ Z+ |
Considero então as sucessões:
mn = min I (n,k (n))
Mn = máx I (n,k (n))
Os extremos de cada intervalo
I (n,j) pertencem a
Cα, pelo que as duas
sucessões são sucessões de elementos de
Cα. Vê-se
facilmente que se tem:
pelo que ambas as sucessões (mn)n e (Mn)n convergem para x e pelo menos uma delas não é constante a partir de uma certa ordem. Logo, x não é um ponto isolado.
Finalmente, no caso do conjunto C, verifica-se facilmente que In (n ≥ 1) é formado pelos números do intervalo [0,1] que se podem escrever na base 3 usando unicamente os algarismos 0 e 2 nas n primeiras casas decimais.3
Exercício: Mostre que se U é um aberto de R e α ∈ ]0,1], então l (U ∩Cα) < l (U).
Nota: Entre as propriedades mais interessantes do conjunto de Cantor destacam-se as seguintes:
Para a demonstração destes resultados, veja-se o livro General
Topology de S. Willard.
Notas